quinta-feira, 3 de abril de 2008

Bolo de cenouras dummy-proof de minha mãe

Pode parecer mentira, mas algumas memórias muito antigas estão tão impressas em meu cérebro que são impossíveis de serem esquecidas, mesmo tendo acontecido há tanto tempo. Lembro-me da primeira vez em que comi chocolate. Um pedacinho, pequenininho, de chocolate meio-amargo. Não sei quantos anos tinha, mas, considerando que me lembro do dia em que minha irmã nasceu (e eu tinha apenas dois anos), imagino que era também muito nova nessa ocasião. Lembro-me perfeitamente de estar sentada no sofá da sala — um sofá cor de burro quando foge, que nem existe mais — perninhas esticadas para frente, quando meu pai apareceu com aquele quadradinho marrom escuro, quase preto, ligeiramente lustroso, que mais me parecia um pedaço de plástico, do que qualquer coisa comestível.

"O que que é isso?", perguntei, muito desconfiada.
"Chocolate", respondeu meu pai.

Não sei dizer exatamente por quanto tempo resisti a experimentar aquela coisa de aparência pouco apetitosa. Meu pai gostava de pregar peças em mim desde pequena, e por isso eu olhava para aquilo como algumas crianças olham para uma couve-de-bruxelas. Recusei.

Num outro momento, não sei nem se no mesmo dia ou no mesmo ano, pois a memória é boa mas não tanto, meu pai se aproveitou do fato de estar completamente hipnotizada pela televisão, e aproximou-se sorrateiramente, dizendo "abre a boca!". Obedeci sem pensar nem olhar o que ele tinha na mão, e quando mastiguei, senti todo um mundo de novos sabores se abrindo diante de mim. Imediatamente a televisão perdeu o encanto. "Hmmmm! Que é isso???" Chocolate. Foi paixão à primeira mordida.

Claro, em outra ocasião, só para provar que televisão não fazia bem para meu cérebro, meu pai aplicou a mesma técnica e colocou uma rolha de garrafa na minha boca, que cuspi imediatamente, revoltadíssima, em meus sei lá quantos poucos anos.

Quanto ao bolo da fotografia, trata-se do bolo de cenoura que comi durante toda a minha vida. Receita de minha mãe, apanhada não se sabe onde, anotada num caderno velho, naquele velho estilo impreciso que tanto me enerva. Não me lembro da primeira vez em que comi do bolo, mas recordo quando primeiro o contestei:

"Do que que é esse bolo?"
"Cenoura", disse minha mãe.
"Ah, vá? Cenoura é legume! Do que que é? Fala a verdade!"
"Cenoura, juro! Olha aqui os pedacinhos!"

A verdade é que já testei diversos bolos de cenoura; com farinha de amêndoas, com nozes, com laranja, com cobertura de cream-cheese, versões italianas, inglesas, receita de tia, de amiga... Mas nunca nenhum bateu a simplicidade, a doçura e a infalibilidade do bolo de minha mãe. Porque mesmo quando ele dá errado, ele dá certo. Desta vez mesmo, atrapalhada por ter esquecido de marcar o tempo de forno e ter ido trabalhar, fui confundida pelo aroma doce que invadia a sala e o princípio de casquinha dourada por sobre o bolo, e abri o forno para testá-lo com o palito, ao que o danado respondeu imediatamente desinflando como um soufflé fracassado. Feiúra solucionada virando-se o bolo de ponta-cabeça, escondendo-se a parte em colapso.

Este é o bolo de cenoura mais fácil, mais rápido e também o mais gostoso que já fiz ou comi em minha vida. Seu miolo é muito macio e úmido, contido por uma ligeira crosta quase caramelizada que nunca vi repetida em receitas mais sofisticadas. Deixo aqui, então, essa simples mas carinhosa "herança de família", que foi para o meu caderno, acompanhado de uma ilustração, para que eu ache a receita mais facilmente, dentre tantas outras.


BOLO DE CENOURA (Updated)
Tempo de preparo: aprox. 1 hora
Rendimento: 8-10 porções


Ingredientes:
  • 2 cenouras médias raladas bem fino
  • 3 ovos
  • 1 xíc. de óleo (canola ou girassol)
  • 2 xíc. de açúcar
  • 2 1/2 xíc. de farinha de trigo
  • 1 colh. (sopa) de fermento químico em pó

Preparo:
  1. Em um liqüidificador muito potente ou um processador, bata todos os ingredientes até que fique homogêneo.
  2. Coloque em uma forma de cerca de 20cm de diâmetro com furo no meio, untada e enfarinhada, e leve ao forno médio (180ºC) pré-aquecido por 45-50 minutos, até que fique dourado e um palito saia limpo quando inserido no bolo (insira o palito na rachadura central, em que se pode ver o miolo, pois muitas vezes ele está pronto nas laterais mas cru nesse meio, apesar da casquinha dourada em volta).
  3. Deixe esfriar completamente numa grade antes de desenformar. Se quiser, cubra com ganache, mas ele é perfeito assim, sem nada.

Cozinhe isso também!

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