quarta-feira, 21 de novembro de 2007

Como nos desenhos



É muito confuso começar um texto quando há duas histórias diferentes que exaltam o mesmo tema. Por qual delas começar? Começo pela mais recente. Quando fui morar com meu namorado (agora marido — longa história), ganhamos uma série de cestas de comida dos dois lados da família, o que foi muito engraçado na época; como se fôssemos nos esquecer de ir ao supermercado. Como nada é mais particular do que hábitos alimentares, acumulamos na despensa diversos ingredientes bizarros, como algas marinhas em conserva e spaghetti sabor cenoura. Entre isso tudo, havia duas latas imensas de pêssegos em calda. Pessoalmente, não sou muito fã de frutas em conserva. Logo, além da óbvia combinação com sorvete de creme, não fazia a menor idéia de como usar os pêssegos de forma inteligente (e saborosa, claro).

Ontem, fuçando no livro que se tornou há tempos minha "bíblia de tudo o que vai no forno", Professional Baking, deparei-me com fotos de tortas de fruta cobertas, como aquelas que víamos em desenhos animados de infância, esfriando nas janelas em suas formas redondas de bordas caneladas. Eu era absolutamente fascinada por essas tortas quando criança, e imaginava que deveriam ser deliciosas, quentinhas, suculentas, perfumadas. Perguntava-me por que minha mãe (ou qualquer mãe que eu conhecia) não as preparava. De fato, esse tipo de torta não faz parte da tradição culinária brasileira, e sempre achei isso uma pena.

Na nostalgia do meu imaginário infantil, e no desejo de livrar-me de pelo menos uma daquelas latas (brinquei com o Allex de que conseguiríamos fazer vencer uma lata de conserva que só vence em 2010!), resolvi me aventurar no reino das american pies, e preparar uma torta de pêssegos, que se revelou mais fácil do que eu imaginara. O único acidente de percurso foi com relação à massa: segundo o livro, eu precisava de cerca de 310g de massa para uma torta coberta de 20cm. Então preparei exatamente essa quantidade, o que fez com que eu precisasse abrir a massa numa espessura fina como papel (sem brincadeiras, eu podia ver meus dedos através dela!) para que ela cobrisse toda a forma. No entanto, frágil daquela forma, a massa acabou rasgando em alguns pontos, e o recheio em ebulição vazou para fora da forma. Isso deixou a torta mais feia do que eu gostaria, mas com certeza não menos gostosa.

Não queria fazer uma massa recheada apenas de pêssegos. Queria um pouco mais de profundidade no sabor. Por isso substituí parte da farinha da massa por farinha integral, e acrescentei essência de amêndoas amargas ao creme do recheio. Também esfarelei biscoitos amaretti no fundo da forma, antes de colocar-lhe os pêssegos, não apenas pelo sabor, mas para que absorvessem um pouco da umidade e evitassem que o fundo da torta encharcasse.

A amêndoa, no final, ficou muito mais sutil do que eu esperava, sendo a torta completamente dominada pelos pêssegos assados. Ela ficou doce na medida certa, e fiz muito bem em reduzir pela metade a quantidade de açúcar, já que os pêssegos em lata sugeridos na receita original eram conservados em água e sucos naturais, sem o acréscimo de adoçantes, enquanto os meus eram já bastante doces. Porém, devo ser sincera e dizer que, ainda que tenha resultado saborosa, ótimo acompanhante para uma bola de frozen yogurt azedinho, não é minha torta favorita. Assim como com a torta de cerejas, gostaria de refazê-la com frutas frescas. Mas, para quem tem uma lata de pêssegos em calda completamente abandonada na despensa, não vejo destino melhor!

TORTA DE PÊSSEGOS
(Deliberadamente adaptada do Professional Baking)
Tempo de preparo: 30min. + 4 horas de geladeira para a massa + 40 min. de forno Rendimento: 1 torta de 20cm


Ingredientes:

(massa, com quantidades corrigidas)
  • 150g de farinha de trigo
  • 50g de farinha de trigo integral
  • 130g de manteiga sem sal gelada cortada em cubos
  • 50g de água gelada
  • 4g de sal
  • 10g de açúcar
(recheio)
  • 500g de pêssegos em calda drenados
  • 200ml de sucos drenados da lata (se não tiver suficiente, complete com água)
  • 50ml de água gelada
  • 18g de amido de milho
  • 70g de açúcar baunilhado
  • 2g de sal
  • 1/4 colh. (chá) de essência de amêndoas amargas
  • 18g de manteiga sem sal
  • 1/2 xíc. de biscoitos amaretti
Preparo:
  1. Misture a água gelada com o sal e o açúcar. Coloque a farinha e a manteiga em uma tigela e esfregue com os dedos até formar uma farofa como farinha de milho grossa. Faça um buraco no centro do monte e jogue a água gelada, misturando com um garfo até começar a formar uma massa. Sove pouco, apenas o suficiente para formar uma bola. Envolva em filme plástico e leve à geladeira por 4 horas.
  2. Enquanto isso, faça o recheio. Coloque os sucos da lata numa panela e leve à fervura.
  3. Dissolva o amido na água gelada e misture-o à panela, até voltar a ferver. Junte o sal, o açúcar, a manteiga e a essência de amêndoas, e deixe em fervura branda, misturando, até que o açúcar esteja dissolvido.
  4. Despeje esse xarope grosso sobre os pêssegos, em uma tigela, e misture delicadamente. Deixe esfriar completamente.
  5. Divida a massa em duas partes (2/3 e 1/3 do tamanho) e abra a maior em um círculo, alguns centímetros maior do que a forma. Forre-a, deixando que as sobras caiam para fora.
  6. Espete com um garfo o fundo, para que ele não infle com o ar quente embaixo, e esmigalhe por cima os biscoitos. Despeje o recheio, nivelando os pêssegos, sem deixar que eles sujem as beiradas da massa, ou será mais difícil selar a torta.
  7. Abra a parte menor da massa em um círculo maior do que a forma, e cubra-a, com cuidado. Faça alguns furos na superfície, para que o vapor escape. Aperte a borda da forma com os dentes de um garfo, para selar as duas massas. Apare as sobras.
  8. Pincele a massa com ovo batido, leite, creme de leite ou manteiga derretida. Se quiser, polvilhe um pouco de açúcar por cima. Leve à prateleira mais baixa do forno pré-aquecido a 220ºC por 30-40 minutos. Sirva morna ou fria.

Cozinhe isso também!

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