quinta-feira, 26 de julho de 2007

Come torta!

Ainda morando na casa de meus pais, lembro-me do dia em que produzi minha primeira torta. Tratava-se de uma torta piemontesa de alho-poró; grande mas muito suave, com uma camada úmida do legume fatiado e salteado em muita manteiga e um segundo andar de uma mistura fofa e untuosa de ovos, creme e queijo parmesão, tudo cercado por altas paredes de massa seca e amanteigada que se desmanchava em farelos na boca. Lembro-me da sensação de completo sucesso que me envolveu ao desenformá-la e mostrá-la à família.

Com um mínimo de prática e tentativa e erro, todo o processo começa a parecer bastante banal. Você percebe que, tendo os ingredientes na temperatura certa, o forno regulado e uma noção vaga da cara que deve ter cada etapa, qualquer criança produz um quiche decente. E, mesmo assim, nada o encherá de tamanha sensação de competência culinária.

De modo geral, tortas doces ou salgadas, abertas ou fechadas, são feitas com a mesma massa, chamada "pâte brisée", também conhecida como 3-2-1, devido à proporção dos ingredientes. Esse é talvez o ponto mais importante a se lembrar: a proporção entre farinha, gordura e água é crucial para a textura correta da massa, para que ela não fique dura demais, pálida demais, borrachuda demais, mole demais. Normalmente, usa-se farinha comum (ou para pâtisserie, se puder encontrá-la), manteiga sem sal e água gelada. Massas industriais costumam ser feitas com gordura hidrogenada no lugar de manteiga, razão pela qual você sente na língua uma camada oleosa persistente e desagradável — isso acontece porque, ao contrário da manteiga, a gordura hidrogenada não dissolve na saliva. Pode-se variar o tipo de farinha, pode-se trocar a água por leite e pode-se acrescentar ovos à massa para deixá-la mais dourada ou açúcar e baunilha para uma massa doce. Seja qual for a versão, a proporção entre os elementos precisa ser sempre 3-2-1: 3 partes de farinha, 2 de gordura e 1 de água, usando sempre o PESO como medida, inclusive para a água, razão pela qual é imprescindível ter-se uma balança de cozinha.

A torta acima (de ervilhas e queijo pecorino fresco) foi feita com a versão mais simples de massa: farinha de trigo comum, manteiga sem sal, água e sal marinho. Sua produção obedeceu a lei do mínimo esforço, resultando em uma massa muito leve e flocosa, muito semelhante a uma massa folhada. Por que lei do mínimo esforço? Porque, ao contrário de um pão, massas para tortas devem ser muito pouco elásticas (ou seja, devem ter seu glúten muito pouco desenvolvidos) ou elas encolherão demais no forno, fazendo com que o recheio não caiba ou — pior — vaze durante o cozimento.

Além da massa, os recheios também não costumam ser mais do que vegetais refogados ou cozidos (ou carnes e peixes) misturados a ovos, creme ou leite, e algum queijo, o que não necessita qualquer espécie de técnica ou malabarismo. Não há nada mais simples para servir num almoço de domingo e impressionar os amigos ou aquela tia que achava que você não sabia fazer nada. Sabendo fazer um quiche, você pode variá-lo à exaustão. E a mesma massa você pode usar para cobrir a torta, se quiser recriar aquela torta de palmito excelente que sua avó fazia.

E para os sem-tempo, a massa feita em casa pode ser guardada na geladeira em filme plástico por 2-3 dias ou no freezer por até 6 semanas, o que quer dizer que você pode aproveitar um sábado preguiçoso e fazer massa suficiente para tortas pelo resto do mês, que você precisará apenas rechear e assar em meia-hora com qualquer sobra que exista em sua geladeira.

A receita e modo de preparo, entretanto, deixo para depois. Como estou combinando com um amigo uma "aula de quiche" na semana que vem, tentarei fotografar as etapas para que ninguém tenha que confiar apenas em minhas instruções e em sua imaginação.

Cozinhe isso também!

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